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Maciana de Freitas e Souza - 118 - Fevereiro de 2020
Mulheres negras
As persistentes desigualdades raciais
Foto da capa do livro O que é lugar de fala?
O que é lugar de fala?
Autor: Djamila Ribeiro
Editora: Letramento - 96 páginas
Foto do(a) autor(a) Maciana de Freitas e Souza

Este é o primeiro título da coleção Feminismos Plurais, lançado em 2017, pela editora Letramento. Ribeiro traz uma importante análise de caráter interseccional e estrutural, na qual, ao longo da história, as mulheres negras estão inseridas numa dinâmica que legitima uma série de desigualdades. Nossa realidade pré-capitalista, com sua economia escravista, trouxe diversas implicações socioeconômicas, políticas e culturais para esse grupo. Nesse contexto, se faz necessária a construção de uma narrativa que considere todas as vozes e que possa contribuir para fortalecer a promoção, a proteção e o cumprimento dos direitos das mulheres negras.

Entendendo o caráter histórico da sociedade em que vivemos e as condições apresentadas pelo racismo patriarcal, Ribeiro parte da ideia de que o processo de produção de conhecimento é construído a partir de relações de poder, considerando alguns protagonistas e discursos mais válidos do que outros. O preconceito étnico-racial foi e ainda é uma perspectiva de sustentação das desigualdades. A resistência é um processo, mas é preciso oferecer um novo olhar, inserindo a noção de subjetividade, e que marcadores políticos como gênero ao lado de classe e raça sejam considerados ligados à prática conscientemente orientada. O conceito de lugar de fala é, na obra de Djamila, a chave para se entender a continuidade do racismo no Brasil contemporâneo.

A autora expõe também o conceito de outsider within cujas reflexões apoiam-se em Patrícia Hill Collins, ao destacar que as mulheres negras estão num não lugar, e, desse lugar de “forasteiras de dentro”, as mesmas, a partir da compreensão da realidade na qual estão interagindo, podem influenciar em práticas políticas, sociais que sejam efetivas através da disputa e do reconhecimento como sujeitos políticos. Buscar o entendimento de todas essas questões históricas, estruturais, é base necessária para se pensar o racismo na realidade brasileira e assim se projetar uma intervenção crítica que aponte para a conquista de direitos.

Ao falar da importância do lugar de fala, afirma a filósofa: “não estamos falando de indivíduos necessariamente, mas das condições sociais que permitem ou não que esses grupos acessem lugares de cidadania” (p. 61). Ribeiro enfatiza que compreender essas características da formação brasileira na periferia do capital, com a persistência de uma cultura de racismo e hierarquizações, é necessário para se fazer a mediação teoria-prática e projetar ações de resistência no campo político.

Neste processo, segundo Djamila, é importante o reconhecimento desse descentramento do pensar, uma vez que no Estado burguês os grupos hegemônicos reforçam suas relações de dominação por meio da linguagem, e a ampliação das vozes das mulheres negras seria uma forma de resistência ao status quo. Então, é interessante observar que cabe aos grupos hegemônicos também o papel dominante no campo epistêmico, “quem pode falar ou não, quais vozes são legitimadas e quais não são” (p. 25). Desse modo se faz necessária a reorganização e

o fortalecimento desses grupos que por muito tempo foram silenciados e para os quais uma história única foi construída. Ao desenvolver a ideia da mulher negra como o “outro do outro”, ela analisa uma situação que deixa a mulher negra num risco maior de marginalização

“num local de subalternidade muito mais difícil de ser ultrapassado” (p. 44). Nesse contexto, Ribeiro fala da interseccionalidade, essa perspectiva que nos permite compreender que as categorias estruturais sejam analisadas conjuntamente, porque muitas vezes as instituições no campo do direito fortalecem discursos hegemônicos, coloniais, sexistas, racistas, e essa construção resulta em desigualdades não só em acesso a serviços, mas no reconhecimento enquanto sujeitos políticos para o alcance da equidade de direitos e aprendizagens.

A leitura de “O que é lugar de fala?”, portanto, nos oferece uma reflexão relevante sobre as persistentes desigualdades raciais, os privilégios vividos pelas pessoas brancas e a importância de que “indivíduos pertencentes ao grupo social privilegiado em termos de lócus social consigam enxergar as hierarquias produzidas a partir desse lugar e como esse lugar impacta diretamente na constituição dos lugares dos grupos subalternizados” (p.86). É a partir da compreensão do que há de específico em nossa formação sócio-histórica que, somente assim, podemos projetar brechas para mudanças parciais que possam posteriormente ser transformações substanciais do ponto de vista social e democrático.

MACIANA DE FREITAS E SOUZA é bacharela em serviço social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-UERN.

Maciana de Freitas e Souza
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