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Alberto Ribeiro Gonçalves de Barros - 117 - Junho de 2018
Perfil de Guicciardini
Foto da capa do livro Republicanismo e realismo
Republicanismo e realismo
Autor: Newton Bignotto
Editora: Ed. UFMG - 220 páginas
Foto do(a) autor(a) Alberto Ribeiro Gonçalves de Barros

Republicanismo e Realismo: um perfil de Francesco Guicciardini é mais uma valiosa contribuição de Newton Bignotto aos estudos renascentistas. Depois de seus relevantes trabalhos sobre Maquiavel e os humanistas florentinos do quattrocento, dedica sua reflexão a um autor cuja obra política ficou por muito tempo ignorada, apesar de fundamental na formação do pensamento político moderno, em particular sua face republicana.

O novo trabalho se insere no debate contemporâneo sobre a natureza do republicanismo de Guicciardini, procurando se beneficiar das articulações entre suas proposições propriamente políticas e aquelas enunciadas em escritos mais amplamente filosóficos. Pretende, ao incorporar temáticas aparentemente distantes do ideário republicano, ampliar o horizonte de compreensão de seu republicanismo.

Antes de iniciar essa análise, Bignotto faz importantes observações metodológicas que esclarecem ao leitor suas estratégias investigativas e interpretativas. Além do princípio geral de que Guicciardini deve ser lido a partir dos debates sobre a natureza da república, que dominaram a cena intelectual florentina no início do século XVI, a advertência mais relevante, para quem não está familiarizado com o autor, é que ele não escreveu para ser divulgado e nada publicou em vida. A ausência de um destinatário altera a forma de examinar os procedimentos discursivos, como o uso da retórica nos textos ou sua intenção polêmica.

A imagem mais tradicional de historiador é tratada no primeiro capítulo com o objetivo de mostrar como política e história se entrelaçaram ao longo da vida de Guicciardini fornecendo a trama principal de suas reflexões. A análise das Storie fiorentine revela um autor influenciado pelos cânones humanistas, mas que já abandona alguns procedimentos retóricos em favor de uma narrativa mais regrada, na qual apenas os elementos essenciais para a compreensão dos acontecimentos são valorizados. O estudo de Cose fiorentine mostra sua preocupação em estabelecer determinados critérios para a escolha das fontes históricas a fim de aumentar a confiabilidade dos relatos selecionados. Mas é na Storia d'Italia, seu maior empreendimento historiográfico, que os elementos mais modernos de sua historiografia podem ser encontrados: o recurso às fontes documentais, o destaque aos detalhes particulares como chave de compreensão dos fatos históricos e da natureza humana etc. A partir da análise dos Ricordi – conjunto de reflexões escritas no decorrer de sua vida sobre temas essenciais da condição humana – Bignotto mostra como essa revolução historiográfica foi preparada e deu existência a uma reflexão política, amadurecida ao longo de sua carreira diplomática.

Os dois capítulos seguintes são dedicados aos escritos políticos Discorso di Logrogno e Dialogo del Reggimento di Firenze. Sobre o primeiro, Bignotto ressalta o tratamento dos temas que se incorporaram ao debate florentino, depois da expulsão dos Médici, em 1494: o problema da renovação das instituições, a questão da participação política e o papel da força nas relações políticas. Com um cenário cada vez menos favorável à independência das cidades italianas, Guicciardini dedica-se ao problema da sobrevivência da liberdade e das instituições de Florença. Aponta como solução para a manutenção da autonomia, a formação de milícias próprias, e para a renovação das instituições, uma reorganização jurídica que tornasse as leis mais eficazes e uma melhor distribuição do poder entre os cidadãos, com a prevalência do grupo aristocrático, onde se encontram os “homens de bem” ou “homens sábios”, que dispõem de competência e de experiência para governar.

Sobre o segundo tratado, Bignotto destaca sua tensão entre um pensamento que se alimenta da tradição e, ao mesmo tempo, da experiência, entre a defesa de um republicanismo aristocrático e a trajetória pessoal na esfera do poder da família Médici, que governava Florença como um principado desde 1512. Nesse sentido, a forma dialogal do texto permite a Guicciardini enfrentar suas contradições e se servir dos personagens como caixa de ressonância das diversas posições do debate florentino. A força da primeira parte do diálogo estaria na desmontagem dos lugares-comuns do pensamento humanista, colocando em dúvida os esquemas abstratos para a compreensão de um mundo marcado pela contingência e particularidade. A segunda parte seria marcada pelo esforço de Guiciardinni em provar que uma república aristocrática responde de maneira mais adequada aos desafios revelados pela observação do novo cenário político.

O último capítulo é dedicado ao confronto entre Guicciardini e Maquiavel a partir das Considerazioni sui discorsi del Machiavelli. Apoiando-se na análise dos primeiros capítulos, Bignotto argumenta que as concordâncias de Guicciardini seriam fruto de um mal-entendido ou de uma vontade de minimizar as claras divergências com o amigo, provenientes de distintas noções dos fundamentos da política.

Ao mobilizar assim textos de diferentes períodos e propósitos, Bignotto consegue traçar um perfil primoroso do pensamento político de Guicciardini, em especial da natureza de seu republicanismo. Mas o leitor não ganha apenas importantes elementos para a compreensão desse autor, apreende também como realizar uma análise apurada e competente de uma obra política.

Alberto Ribeiro Gonçalves de Barros é professor do departamento de filosofia da USP

Alberto Ribeiro Gonçalves de Barros
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