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Ricardo José de Almeida - 120 - Setembro de 2021
Degradação das estruturas políticas
Escalada autoritária sobre os regimes democráticos
Foto da capa do livro Como as democracias morrem
Como as democracias morrem
Autor: Steven Levitsky e Daniel Ziblatt
Tradução: Renato Aguiar
Editora: Zahar - 272 páginas
Foto do(a) autor(a) Ricardo José de Almeida

Inquietos com a escalada dos governos autoritários sobre os regimes democráticos tradicionais, os professores de ciência política Steven Levitsky e Daniel Ziblatt nos propõem uma reflexão rica em fatos históricos e análises políticas organizadas ao longo de nove capítulos. Apresentam episódios políticos relevantes que envolvem nomes como Adolf Hitler, Alberto Fujimori, Hugo Chaves e Benito Mussolini, conhecidos outsiders inseridos no cenário político por estratégias inescrupulosas e artifícios antissistema (antiestablishment), que trabalharam para ruir as estruturas democráticas, disseminando ódio, atacando as instituições e incentivando a violência. Mas sua atenção especial é sobre a democracia norte-americana, com a ascensão de Donald Trump, demagogo extremista numa relação abusiva com o estado democrático de direito.

Os autores creem que a observação às regras políticas não escritas é a base para a manutenção e sobrevivência da democracia e preservação do espaço político. É responsabilidade dos partidos e meios políticos tradicionais não servir de apoio para a ascensão de outsiders, e essa é uma regra importante não escrita. Esses atores políticos devem trabalhar como uma espécie de filtro para impedir, ou colocar à prova postulantes à vida pública com tendência à tirania, antes de avalizá-los em disputas por cargos políticos. O livro lança luz ao estudo que Juan Linz professor em Yale propôs no livro The Breaakdonw of Democratic Regimes uma forma de identificar políticos antidemocráticos baseada em quatro principais indicadores do comportamento autoritário. Com base nesses indicadores, torna-se relativamente fácil identificar na matriz comportamental de Linz, os tiranos citados no livro, como figuras da atual realidade política brasileira, com ênfase para o líder do executivo.

Povos que preservam valores democráticos têm maior facilidade em manter saudável sua democracia, uma verdade também para os regimes autoritários, ou seja, povos abertos ao apelo autoritário estão propensos à ascensão de um governo tirânico. Provocar a atenção popular foi e continua sendo um dos mecanismos mais utilizados por outsiders na escalada autoritária. Nos casos de Hilter, Mussolini, Fujimori, Chaves e Trump, apesar de se distanciarem em muitos pontos, fazem uso de meios parecidos para chegar ao poder. Em comum possuíam grande talento para atrair a atenção popular, costuraram alianças e foram promovidos com forças políticas tradicionais, que no momento da aliança aspiravam por retornar à posição mais favorável no interior do jogo político. Utilizaram-se também, por mais paradoxal que possa parecer, de eleições legitimas.

Alberto Fujimori, com o slogan “um presidente que gosta de você”, capitalizou o ódio popular e chegou à presidência, concorrendo com o Nobel de literatura Mario Varga Llorsa. Sem habilidades para articulação política com opositores, recorreu aos decretos para governar, extrapolando com medidas contra as liberdades civis. Pouco tempo depois de eleito o ex-reitor já se tornava um tirano. Atacar opositores com termos rudes, grosseiros e caluniosos como inimigos, subversivos, terroristas e corruptos é uma marca forte dos outsiders na escalada autoritária. Donald Trump iniciou seu governo chamando a mídia de “inimiga do povo americano” e questionando a legitimidade do judiciário. Durante a campanha hostilizou Hillary Clinton repetindo que ela deveria ir para a cadeia. 

Os autores extraíram dos estudos de Linz quatro sinais básicos de alerta para o reconhecimento de potenciais autoritários: a rejeição das regras democráticas do jogo (ou compromisso débil com elas); a negação da legitimidade dos oponentes políticos; a tolerância ou encorajamento da violência; e a propensão a restringir a liberdades civis de oponentes, inclusive da mídia. Os quatro sinais são comuns em todos os casos abordados e descritos com abundância de exemplos.

Os autores trazem também, investidas autoritárias de insucesso, situações onde as proteções democráticas obtiveram êxito sobre a ofensiva autoritária. Henry Ford, um dos homens mais ricos do mundo no século XX, protagonizou um desses episódios, onde as proteções democráticas desempenharam bem seu papel. Condecorado com a Ordem de Mérito da Águia Alemã pelo governo nazista em 1938, em sua escalada fez publicações duras contra banqueiros Judeus e bolcheviques. Por esses meios quase chegou ao Senado em 1918 e começou entusiasmada disputa pela presidência americana no partido democrata em 1924, porém, mesmo com grande apelo popular, foi categoricamente rejeitado pelos líderes partidários e teve sua candidatura frustrada.

Para os professores de Harvard esta é uma referência das vezes em que a democracia americana funcionou. São duas as normas tomadas como regras não escritas, a tolerância mútua e a reserva institucional. “Tratar rivais como concorrentes legítimos e subutilizar prerrogativas institucionais próprias no espírito do jogo limpo são regras não escritas na Constituição dos Estados Unidos.”(p. 201) Implícita nas reflexões propostas pelo livro figura a sedutora tentação em recorrer a caminhos antissistema para neutralizar outsiders. Os exemplos dessa reação apresentam resultados infrutíferos, contrários ao pretendido, o que fortaleceu a estratégia totalitária e enfraqueceu a democracia.

A obra provoca reflexões acerca dos movimentos políticos contemporâneos, não só em relação aos ataques diretos e agressivos às instituições republicanas, seu poder destrutivo nas sociedades democráticas, mas também como as respostas a tais ataques se constroem e como refletem no que pode culminar no fim das liberdades políticas consolidadas.

Questões pertinentes à atual realidade política brasileira se encontram em abundância na obra. Não menos comuns, os conflitos tratados pelos autores trazem estímulos à investigação cuidadosa de problemas de natureza filosófica, como o esgotamento mútuo de tolerância a posições políticas opostas.

“A polarização pode destruir as normas democráticas. Quando diferenças socioeconômicas, raciais e religiosas dão lugar a sectarismo extremo, situação em que as sociedades se dividem em campos políticos cujas visões de mundo são não apenas diferentes, mas mutuamente excludentes, tornando-se difícil sustentar a tolerância.” (p.115)

RICARDO JOSÉ DE ALMEIDA é pós-graduando no departamento de filosofia da USP


Ricardo José de Almeida
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